BAGULHOS
BIZARROS
E Stranger Things, a nova série dos Duffer Brothers, que ta bombando
na Netflix e fora dela, conta a história de um
garoto chamado Will (Noah Schnapp), que desaparece de forma misteriosa. Enquanto a
polícia, a família e os amigos buscam respostas, coisas estranhas, muito
estranhas, acontecem...
Tá;
não é a melhor sinopse do mundo, mas é por aí. Referência utilizada por
excelência, nos anos 80 (e 90), década das locadoras de fitas de vídeo, as
sinopses dos filmes vinham em fichas, estrategicamente colocadas em escaninhos
e afins e, não eram muito diferentes disso. Você trocava esta ficha pela fita,
que vinha na caixinha da locadora (localizada em bairros e com nomes que evocavam
algum filme, como Wargames) e, com um
aviso em letras garrafais, para você rebobinar a fita antes de devolvê-la. Ou
na versão Blockbuster, trocava a caixa original vazia pela fita na caixinha da
locadora, com uma sinopse tão boa quanto. E se você, como muita gente na época,
parasse por aí, com essa sinopse, perderia uma das séries mais legais que já foram
criadas.
A
inquietação começa na abertura, que dura mais de um minuto e você não tem
vontade de pular, nenhuma vez! Ao som se sintetizadores (responsabilidade da
banda SURVIVE... ou de metade dela), o letreiro luminoso que vai formando o
nome da série dá uma sensação de que você já viu isso em algum lugar. Não sei
você, mas eu não sossego enquanto não der nome pra coisa, então lá fui eu,
fuçar. De fato, existe uma mistura de referências, de filmes a capas de livros,
mas a fonte utilizada foi criada pelo jazzista Ed Benguiat e você vai
encontrá-la até na capa de um disco do The Smiths.
Assim
como os filmes da Sessão da Tarde
(houve uma época em que fazer filme para crianças dava retorno garantido), a
série é protagonizada por um grupo de crianças. Não um grupo qualquer, mas
crianças que jogam Dungeous & Dragons.
Sim, a série passa pela brincadeira de adivinhação de referências e isso é um
dos seus grandes atrativos. Para não poluir o texto, deixei minhas descobertas
para o post scriptum; mas a grande
referência e de cara, no primeiro episódio, é E.T. É tão E.T., que
chega a ser frustrante. Não dá liga.
Todo programa passa
pelo desafio de cativar no primeiro episódio sem entregar tudo, caso contrário,
os telespectadores acabariam por abandoná-lo, com a sensação de que nada
suplantou a estreia. Dê uma chance ao restante de Stranger Things, mesmo que os verdadeiros adolescentes dos anos 80 tenham
sido bem mais bonitos (dê uma busca por Matt Dillon e repare que a personagem
Nancy tem um pôster de Tom Cruise no quarto), mesmo com Winona Ryder, uma
escolha que não entendo (a gente vê que o corpo dela trabalha para a
personagem, mas é só isso). A partir do segundo episódio a série pega ritmo.
Outro desafio é
trabalhar com crianças que também sejam bons atores. Então se arriscar a
sustentar uma história com elas pode dar muito certo ou muito errado. Dá muito
certo! Não são todas que cumprem esse papel, mas todas são muito carismáticas;
basta ver a quantidade de vídeos que aparecem com elas e por causa delas na
internet (a versão de Jimmy Fallon e a paródia de 3 minutos de um grupo de
amigos são as melhores). Para se ter uma ideia, até a Globo News usou a
abertura da série, com as palavras “Política Brasileira”. Arrisco dizer que o
grande destaque é Dustin (Gaten Matarazzo), mais conhecido como o moleque que usa
o boné do Ash e não é banguela; é que seus dentes ainda estão crescendo. E,
claro, tem também Holly, irmã mais nova de Mike (Finn Wolfhard).
Outro detalhe a que a
série deve sucesso é a escolha da década em que se passa. Sim, já falamos das
referências de outros filmes e jogos, mas o ponto agora é a cultura da época, o
que envolve o próprio contexto político; isto é, a Guerra Fria.
Com a eterna ameaça
entre EUA e União Soviética, de quem apertaria o botão da bomba primeiro e
começaria a 3ª Guerra Mundial e, o Comunismo como o vilão da humanidade, vê-se
na série que as pessoas acreditam no que o Governo diz; então se homens de
preto invadem sua casa, você ajuda, você entrega seu parente, por patriotismo.
E pavor. Embora evoque as ditaduras, o Governo nunca foi o inimigo. Isso é
coisa de outro Will (no caso, o Smith). Levaria um tempo...
Em abril de 2015, a Netflix teria anunciado a produção de uma
série dos irmãos Duffer, chamada Montauk. O
título faz alusão ao Projeto Montauk, um suposto programa de experimentos
do governo dos EUA durante esta mesma Guerra Fria, para desenvolver técnicas de
guerra psicológica e recursos estratégicos avançados, o que incluía viagem no
tempo, viagem no hiperespaço, invisibilidade e os tanques de privação aos quais
a personagem Eleven (Millie Bobby Brown), é submetida na série. Mais tarde esta mesma
serie ficaria conhecida como Stranger Things.
Existem milhares de histórias e teorias sobre esta época para você pesquisar,
caso tenha se interessado. Aliás, Stranger
Things já teve sua continuação confirmada para 2017 e também já tem suas
teorias, que vão desde o chamado Mundo Invertido, na verdade, ser o futuro, até
que tudo a que assistimos seja uma metáfora ou delírio do tratamento de câncer
de Will.
Como a matéria-prima da
série faz referência ao tempo, homenageando uma década e indo e vindo neste
mesmo tempo, nada mais justo do que fazer isto nesta resenha, também. Porque
talvez o real trunfo da história seja evocar um momento em que as pessoas se
relacionavam de outra forma, um tempo em que a espera fazia todos estarem mais
próximos e, curtirem a vida além do botão da rede social, que hoje, se não for
apertado, parece provocar uma guerra, o fim do mundo.
Cada época tem seu lado
bom e ruim? Claro que tem; e a parte boa das locadoras de vídeo era que elas
eram locais excelentes para conhecer pessoas, fazer contatos, dar risadas e
passar horas conversando. Atualmente acho que só documentaristas passam horas
conversando.
Se antes o estranho era
ser nerd, hoje você é um alienado se não o for (tem lá, Black Mirror, pra você fazer o contraponto). Então mesmo sem a
necessidade de se voltar no tempo, sem um saudosismo sem sentido, vale lembrar
que a verdadeira privação que Eleven passa na série, não está no tanque, mas na
falta de amor, de contato realmente humano.
Assim, seja qual for a
sua coisa estranha, o seu bagulho bizarro ou sua normotice, não crie e nem
deixem que criem tanques para você. A vida acontece no contato, no estar
próximo, seja em que grau for, seja em que tempo for...
P.S.:
por enquanto já encontrei Alien, A Hora do Pesadelo,
O Iluminado, Comando, Rambo, A Fúria, Harry e Sally, Contatos
Imediatos do Terceiro Grau, Identidade
Bourne, Scanners, The Lost Boys, Os Goonies, Conta Comigo,
Silent Hill, Dark Souls, The Last of Us
e, um movimento de câmera, sempre do céu para baixo, que lembra, O Regresso. E você achando que Tarantino
que era o rei das “colagens”...